Estamos no segundo dia da
exposição de Natal, Vida de Tetra.
Hoje apresentamos Gonçalo Borges!
Sua história e sua arte impressionam, preparem-se para se emocionar e descobrir o quanto especial um ser humano pode ser...
No ano de 2000 o artista deixou
de ser bolsista para ser membro da Associação de Pintores com a Boca e com os
Pés. Confira sua história abaixo e aprecie suas obras de artes. http://www.goncaloborges.com.br/
Gonçalo Borges.
Novo Horizonte, Estado de São
Paulo, 08 de janeiro de 1952: foi ali, naquele instante, que eu, Gonçalo,
nasci, tendo como paisagem de fundo a fazenda onde meus pais trabalhavam.
Contando todos, éramos seis:
mamãe, meu pai, meus dois irmãos, eu e vovó. Aliás, foi ela, vovó, quem fez meu
parto. Um susto que não esqueceu nunca!
De repente, olha um bebê vindo ao
mundo com as pernas para cima dos ombros e, entre elas, os braços! Uma maneira
original de nascer, que ficou marcada em sua memória até o fim da vida. E foi
numa casa de pau a pique, sem nenhum recurso hospitalar...
Mas eu já estava aqui, no
planeta, e não pretendia deixar cair a peteca só por causa de alguns detalhes
de design genético.
E não deixei. Desde cedo, minhas
artes começaram, em todos os sentidos. Talvez com medo de me deixarem sozinho
enquanto davam duro na roça, meus pais me levavam com eles para o trabalho. E
foi lá, esperando que terminassem o serviço, que aconteceram minhas primeiras
tentativas de trocar literalmente as mãos pelos pés, que usava para abrir
garrafas de água ou café.
Orientados por alguém, meus pais
vieram para São Paulo, a capital, buscar ajuda para meu caso no Hospital das
Clínicas. Não foi fácil. De repente, virei matéria de estudo, passando por vários
exames de saúde física e até por testes psicológicos, talvez para verificar meu
estado emocional, que na verdade sempre foi, por paradoxal que seja,
simplesmente ótimo. Lá, me submeti também a uma cirurgia no braço esquerdo,
próximo à região do cotovelo, visando facilitar movimentos. Facilitou mesmo!
Como isso tudo demandava tempo, junto comigo veio toda família. Éramos agora,
habitantes da cidade grande, vivendo numa casa que meu pai alugou no bairro da
Penha.
Aos 5 anos – comunicação sempre
foi meu forte - eu já tinha muitos amigos.
O quintal de nossa casa era grande, havia muitas famílias nas proximidades e,
consequentemente, crianças também.
Eu gostava de ficar na rua de pés descalços, brincando de carrinho, bolinha de
gude, empinar pipa, soltar balões... O que, devido a minha deficiência nos
braços, eu fazia com a boca ou com os pés. Foi nessa época que, pelo mesmo
método, comecei a desenhar e a pintar na rua.
Aos 7 anos, já era a peraltice em
pessoa. O número de amigos se multiplicou, incluindo agora pessoas mais velhas,
que me levavam para passear e brincar com seus filhos. Minha mãe, muitas vezes,
ficava apavorada com minhas saídas: é que eu esquecia de avisar e ela, sem
saber onde eu estava, quase morria de preocupação.
Então, pensando em comprar uma
casa, minha mãe começou a trabalhar.
Eu e meus irmãos, a partir daí, ganhamos outra mãe: minha avó, que cuidava de
todos nós.
Quando cheguei aos 8 anos, minha
mãe procurou uma escola. Eu já estava atrasado nos estudos, e era hora de
começar. Junto, começaram também as dificuldades geradas por preconceitos da
sociedade com a minha deficiência.
A diretoria, alegando que minha presença atrapalharia os outros alunos por
causa de minha forma de escrever com a boca ou com os pés, não aceitou meu
ingresso. Por mais que tenha insistido, minha mãe não conseguiu fazer com que
mudassem de posição.
Foi quando alguém indicou a AACD (Associação de Assistência à Criança
Defeituosa). Lá, em regime de internato, além de aprender a ler e escrever
desenvolvi minhas habilidades de desenho e pintura, pratiquei natação e
mergulho, pratiquei datilografia (ou seria pedilografia?) e realizei inúmeros
trabalhos manuais.
Por ser uma pessoa extremamente
extrovertida, conquistei muitas amizades.
Até fui eleito garoto símbolo da AACD. Também participei de vários concursos de
desenho em campanhas educativas, como de trânsito, as de prevenção para não
soltar balões, etc. E ganhei prêmios, inclusive da UNICEF!
Durante minha época de AACD fiz
ainda parte de um grupo de lobinhos, e logo passei a ser escoteiro, graças a
minha facilidade em aprender tudo que me ensinavam. Quando lobinho fui também o
menino símbolo do movimento.
Isso foi muito bom para mim, porque me proporcionou a possibilidade de realizar
viagens a vários estados do Brasil, participando de inúmeras comemorações.
Permaneci na AACD durante 6 anos.
Ao sair de lá, meus irmãos mais novos pouco me conheciam, pois só vinha para
casa 2 vezes por ano, nas férias. Eles não se escondiam de mim, mas perguntavam
a minha mãe quem era aquele “cara estranho”. Daí para frente comecei tudo de
novo, reconquistando gradualmente os amigos da rua onde morava. Logo, estava
totalmente entrosado, jogando bola, bolinha de gude, soltando pipas,
brigando... enfim, uma infância muito gostosa, coroada de amizades e de
alegria.
Quando tinha 17 anos, um
acontecimento marcante: um amigo, que trabalhava como office-boy, foi buscar
para seu patrão uns cartões de Natal e comentou com a pessoa que o atendeu
sobre mim. Eles ficaram interessados em me conhecer e marcamos um encontro.
Quando me viram, foi uma grande surpresa.
Não podiam imaginar que eu era a pessoa que eles estavam esperando. Esta
empresa chama-se Associação Pintores com a Boca e os Pés.
Na época, o Sr. Carlos Henrich,
hoje já falecido, era o diretor responsável pela publicação e vendas dos
cartões. Ele fez uma visita a minha casa, pediu que mostrasse meu trabalho.
Em seguida, me apresentou à
diretoria da Associação para uma avaliação.
Foi quando, aprovado como artista bolsista, passei a receber para estudar
desenho e pintura. Então, após quase um ano, tive minha primeira obra publicada
nos cartões de natal. Finalmente!
Daí, não parei mais. Fiz cursos
de desenho e pintura, primeiro por correspondência, depois numa escola de
desenho e pintura do Sr. Sarau.
Tive também um professor particular. De início só pintava com tinta óleo, mas
quando ganhei um curso de desenho e pintura na Associação Paulista de Belas
Artes, aprendi a pintar com tinta aquarela e guache e, o que é mais importante,
estendi muito minha experiência, trabalhando com modelos ao vivo, nus e outras
situações.
Sempre querendo melhorar e me
aperfeiçoar, prestei vestibular e cursei Comunicação Social (propaganda),
enquanto fazia layouts para algumas agências de publicidade e pintava para a
Associação.
No ano de 2000, deixei de ser um simples bolsista e passei a ser membro da
Associação. Com isso, ganhei o direito a voto em decisões da direção da
organização, que já está em mais de 60 países e tem aproximadamente 500
artistas em todo o mundo.
Estes são, por enquanto, os fatos
que pontearam minha existência, me empurrando sempre para frente, apesar e, até, graças a minha deficiência, que me fez superar limites e atravessar fronteiras.
Mas minha história, podem ter certeza, não vai acabar por aqui. Estarei sempre
construindo um futuro melhor para minha pessoa e minha arte, com trabalho,
determinação e a certeza de que o futuro reserva, graças a este Poder
Misericordioso e Justo que rege o mundo, dias de muito sucesso e gratificação
aos que, como eu, enfrentarem seus desafios e acreditarem em seu talento.
Todos os direitos autorais são reservados à Associação dos
Pintores com a Boca e os Pés
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